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A ESCOLA COMO CONTEXTO DE CONTATO SOCIAL E DE APRENDIZAGEM1

“A palavra escola vem do grego via latim. Surpreendentemente como possa parecer para boa parte dos professores e estudantes, ela inicialmente significava “descanso” ou lazer”. Depois ela significou aquilo que se fazia quando se estava em situação de lazer, e o que se fazia [nessa situação] era conversar. Depois significou um lugar no qual se conversa e, quando a conversa se tornou formal, um lugar para leituras e debates. Ela ainda significa primeiramente um lugar para conversar. Mesmo quando estudantes fazem outras coisas – pintam quadros, tocam músicas, dançam, fazem experimentos científicos – conversar é essencial. Uma escola de artes difere de um estúdio de artista porque aquilo que é pintado na escola é conversado”. (Skinner, 1989, p. 86).

É surpreendente saber que o significado inicial da palavra escola tenha sido esse. Faz-se de tudo na escola hoje, até mesmo se descansa, mas essa não é considerada uma tarefa acadêmica. Pelo contrário, a atividade acadêmica não é considerada lazer, mas em geral, quase uma punição. Como será que o sentido inicial da palavra escola se modificou tanto?

Podemos afirmar que hoje parte das funções da escola é ser uma fonte de conhecimento e uma treinadora de habilidades; para que essas habilidades sejam treinadas é necessária uma certa “motivação” para o aprendizado por parte do aluno. E garantir essa motivação tem sido o grande desafio da escola.

Boa parte dessa motivação tem origem na utilização que a informação e/ou habilidade desenvolvida pela escola tem no dia-a-dia do aluno. E muitas vezes, o que se ensina/aprende não tem uma aplicabilidade direta. Além disso, muitas vezes aquilo que pode ser importante na vida de um aluno não são importantes na vida de outros alunos. Isto ocorre porque as importâncias na vida dependem das outras pessoas que estão em relações com cada um dos alunos. Assim, aprendizados valorizados pelas pessoas que estão fora da escola são mais prováveis de motivar o aluno para novos aprendizados, enquanto aprendizados aos quais não se dá valor fora da escola dificultam que a motivação se mantenha. Por exemplo, imagine que o professor tenha sido, em sua vida, muito valorizado por saber qual é a população atual de vários lugares que já visitou. Para ele, saber sobre a população de lugares que pretende visitar (por exemplo, a Somália) terá uma grande motivação. Mas, qual é a motivação que seu aluno tem em saber qual é a população da Somália? Que utilidade essa informação teria para uma criança que mal sai dos arredores de Foz do Iguaçu?


Os professores podem ser motivadores

Muitas vezes, os professores participam das relações sociais da criança. Alguns educadores gostam tanto de conhecer, que imaginam que seus alunos também gostarão. Eles se frustram porque não é o resultado que observam de seus trabalhos... e se desmotivam também.

O que eles não se dão conta é que só gostaram de conhecer porque o conhecimento foi útil em suas vidas, o que pode não estar acontecendo nas vidas dos alunos. É seu papel, no entanto, fazer com que os alunos fiquem motivados... mais uma tarefa árdua exigida dos professores...

Vamos considerar a situação dos alunos...

Tentando controlar a situação de aprendizagem, a escola tem se utilizado de alguns procedimentos que infelizmente têm “dado certo”, aparentemente, em alguns casos.

Um deles é quando o professor faz seu aluno decorar a informação. Leia-se “dar certo” quando a criança decora qual é a população atual da Somália e reproduz essa informação em uma folha de papel (a “prova” de que sabe). No entanto, nesses casos, o único sentido prático que o aluno tem em decorar essa informação é evitar tirar nota baixa “na prova”. Aqui já se vê os sinais de inversão dos valores da escola: ela é carregada de situações das quais a criança se esquiva.

Mais grave, como o professor lê no papel “a prova” de que o aluno sabe aquele conteúdo, tentará reproduzir seu método de ensino para aqueles alunos que “ainda não aprenderam”. E, daí fica fácil atribuir a falha no processo de ensino/aprendizagem a características pessoais dos alunos: uma interpretação completamente equivocada dessas diferenças nos resultados é a de que “aqueles que aprendem são bons alunos, aqueles que não aprendem não se esforçaram o suficiente, têm problemas emocionais, ou pior, não têm capacidade para aprender”.

Outro procedimento que a escola se utiliza para garantir a motivação para o aprendizado tem sido se utilizar de conseqüências que em geral não se seguem às ações dos alunos: estrelinhas, sticks, carimbos, carinhas felizes, etc., que não ocorrerão caso o aluno demonstre seu conhecimento em relações extra-escolares. Essas conseqüências conseguem, no máximo, demonstrar para o aluno que ele não está em risco de ganhar uma nota baixa ou uma punição.

Com esses dois métodos de ensino, a escola tem se constituído em situações nas quais a criança se comporta por esquiva (evitando punições), fracamente gratificada pelo conhecimento que adquire, provavelmente sentindo emoções que poderíamos chamar de frustração, ansiedade, ou na melhor das hipóteses, alívio. Ela não desenvolve o “gosto” pelo conhecimento.

Acrescenta-se a isso, o fato de que muitas habilidades que a escola julga necessárias (já que as incluiu no currículo) podem ser adquiridas pela metade ou parcialmente: a avaliação de que se o aluno obtiver uma nota mínima (em geral, 50% do exigido), ele é capaz de aprender novos conteúdos “indo para a frente”. Ora, se a habilidade anterior é necessária para futuros aprendizados, é óbvio que saber apenas metade (ou pouco mais que isso) significa construir um conhecimento sobre uma base fraca, prestes a ruir. E é óbvio que os desafios escolares ficam cada vez maiores, já que se exige gradativamente do aluno uma habilidade mais complexa, para a qual ele não tem sequer o conhecimento básico.

Mais um procedimento utilizado em larga escala por professores é a punição. Ela já tomou a forma de palmatória, hoje em dia absolutamente impensável, mas que se tornou ritual por meio de outras ações de alguns professores: pontos negativos para diminuir a já tão pouco gratificante nota, os castigos perfeitamente aceitos por todos (pais inclusive) de obrigar o aluno a fazer uma cópia dezenas de vezes, ou de ficar em aulas-extra de recuperação, ou mesmo mantê-los em ambiente aversivo, reprovando.

Por essas práticas largamente utilizadas não se reconhece mais a descrição contida na etimologia da palavra “escola”. De um ambiente agradável, procurado espontaneamente pelo aluno, a escola passou a ser, por associação com punições, um local de martírio que faz com que o aluno passe a evitá-la.

Comportamentos típicos de esquiva são os já conhecidos “colar em provas” que, se bem sucedido, garantem boas notas e a conseqüente esquiva de ter que repetir a matéria; mal-estares físicos que promovem e justificam várias faltas às aulas; as negações sobre ter lição para fazer em casa, que deixam a criança temporariamente livre de tarefas que competem com o brincar; etc...


A situação do professor

Uma das possíveis explicações para essa mudança do papel da escola em tantos anos pode ser encontrada na história, novamente descrita por Skinner (1989):

“ A escola pública foi criada para levar os serviços de um tutor privado para mais de um estudante por vez. Como o numero de estudantes cresceu, cada um recebeu necessariamente menos atenção. No momento em que o número alcançou 25 ou 30, a atenção pessoal pode ser, no melhor das hipóteses, esporádica.Livros-textos foram criados para substituir algum trabalho do tutor. Mas eles não podem fazer duas coisas importantes. Eles não podem, como o instrutor pode, avaliar imediatamente o que cada estudante diz, nem pode dizer exatamente ao estudante o que fazer em seguida”. (p.85)


É difícil para um professor atingir igualmente uma quantidade de alunos. Ainda que ele tenha alguma habilidade em tornar seu conhecimento e suas habilidades reforçadoras para seus alunos, será quase impossível que ele faça isto nas condições atuais de ensino.

Temos encontrado professores cada vez mais desmotivados em sua tarefa de educadores. Para analisar este fato, apelo novamente para as conseqüências naturais, agora aplicadas ao comportamento de “ensinar”.

A conseqüência natural para o comportamento de ensinar é o aluno aprender. Nem sempre este é o resultado do processo de ensino. O que tem mantido (fracamente) o comportamento do professor “ensinar” é o seu salário – uma conseqüência utilizada para qualquer tipo de comportamento.

Quando um aluno não aprende, é quebrada a vinculação do comportamento de ensinar, emitido pelo professor, com a sua conseqüência natural. Este é um processo denominado extinção de comportamento. A extinção tem inicialmente um efeito comportamental de aumento na freqüência e intensidade da ação e variabilidade na forma dessa ação. Essas ações vêm acompanhadas de manifestações emocionais de raiva e excitação. Posteriormente, caso a consequência não ocorra, essas ações cessam, e a emoção que acompanha esse comportamento pode ser chamada de apatia. O que tem mantido então o comportamento de ensinar emitido pelo professor?

Certamente exposto a pelo menos 30 alunos em sala de aula, é muito possível que alguns alunos “aprendam” aquilo que o professor “ensina”. Isto é suficiente para que o professor possa considerar sua forma de ensinar (seu método) eficiente e eficaz. O fracasso de parte de seus alunos é em geral atribuído, como já foi dito anteriormente, a características do aluno.

O processo ensino/aprendizagem deve ser considerado como duas faces da mesma moeda: um não existe sem o outro. Se o professor agiu de determinadas maneiras, com o intuito de ensinar, e o aluno não aprendeu, não deve se dizer que o professor ensinou. Seu método de ensino não foi bastante suficiente para que ocorresse o ensino/aprendizagem. Nessa situação, deve-se mudar o comportamento de ensinar, e conseqüentemente, o aluno o seu de estudar.

Já que o professor é o profissional da aprendizagem, cobra-se dele o bom desempenho do aluno. É o professor quem deveria criar condições para que o aluno aprendesse.

No entanto, o professor também aprendeu a habilidade de ensinar. Teve com certeza seus professores que supostamente ensinaram-lhe essa habilidade.

Há alguns anos fiz um estágio no qual minha tarefa era observar normalistas fazendo seus estágios, ou seja, dando aula. Nessa situação, havia então uma garota de 16/17 anos, “ensinando” em uma classe com trinta crianças de 7/8 anos. Segundo as normas estabelecidas pela supervisora para a avaliação da normalista, as crianças deviam estar sentadas, quietas, prestando a tenção (cá entre nós, num assunto nem um pouco interessante). Para conseguir essa condição, a professorinha gritava a todo o momento e ameaçava as crianças com nota baixa, dizia que as mandaria para a diretoria, prometia castigos com infinitas cópias, situações ridículas do tipo “ chapéu de burro” etc. Não fazia nada além de gritar, ameaçar e colocar matéria na lousa. E, confirmando o ditado de que “cão que late não morde”, ela gritava e esperneava para nada. As crianças não prestavam a atenção pretendida, não ficavam sentadas, quem dirá quietas! No meio desta balburdia, irrompe pela sala a supervisora da aluna, que, com berros dirigidos a ela, exigia, na frente dos aluninhos, que ela tivesse autoridade – a mesma que ela própria estava publicamente tirando da professorinha – traduzida pela situação de silêncio, com todos os alunos comportados e prestando atenção à aula por ela dada.

Quero argumentar com este exemplo, que os professores de professor não sabem ensinar. A análise do Comportamento vem há anos dizendo que em uma situação de ensino se deve levar em conta aquilo que cada aluno já sabe, para que a partir daí se possam programar condições individuais de aprendizado para eles; que se deve tornar o conteúdo a ser ensinado útil para cada aluno. Mas isto não tem sido feito.

Para demonstrar a possibilidade de uma programação desse tipo, uma colega (Regina Christina Wielenska) elaborou um exercício para estudantes de psicologia, pedindo para que eles comprassem dois procedimentos de duas escolas hipotéticas:

- a primeira, onde as professoras combinaram com os alunos que aqueles que aprendessem a ler e escrever estariam dispensados de lição de casa nas férias e ainda ganhariam prêmios (como medalhas de honra ao mérito e brinquedos pedagógicos). Os alunos com dificuldade teriam aulas de reposição, portanto, férias reduzidas, além de lições-extra que seriam suspensas tão logo aprendessem a ler e escrever;

- na segunda escola, as professoras de 1ª serie combinaram que nas férias (de meio e de fim de ano), com prazer, responderiam às cartas que recebessem de seus alunos. Como preparo prévio, a classe aprendeu a escrever bilhetes e cartas, conversaram sobre o sistema postal e montaram o “Correio das Primeiras séries”, através do qual trocaram mensagens entre si, e por fim, treinaram o que fariam nas férias, enviando aos pais e amigos cartões de aniversario e natal produzidos em aula ao longo do ano.

Tenho certeza de que eu gostaria muito mais de ter aprendido na segunda escola.

Desde o livro Tecnologia do ensino, Skinner (1972) tem feito propostas educacionais que foram testadas em pesquisas e tiveram comprovadamente excelentes resultados.

Estas propostas são traduzidas no método de ensino através de instruções programadas. Ou seja, deve-se individualizar a instrução, o que segundo Neri (1980) não significa

“diminuir o numero de alunos na classe, nem melhorar as formas de apresentação em pequenas audiências, mas em:

1-especificar os objetivos do curso;

2- envolvimento ativo do estudante;

3- controle de contingencias de forma a assegurar um ambiente positivo;

4- avaliações constantes e fornecimento de informações sobre desempenho do aluno;

5- apresentação do material em pequenas doses

6 – exigência de domínio antes de prosseguir;

7- preferência pelo uso de materiais escritos;

8 – respeito ao ritmo individual do aluno” (p.128)

O incorrigível sonhador Skinner especula que as escolas do futuro “serão um lugar muito diferente de qualquer que tenhamos visto até o momento. Elas serão lugares agradáveis. Da mesma forma que as lojas bem administradas, restaurantes, teatros, elas serão bonitas, soarão bem, cheirarão bem. Os estudantes virão para a escola não porque serão punidos por ficar longe dela, mas porque serão atraídos pela escola” (1989, p.94).

A instrução programada propiciará um ensino de mais coisas em tempo menor. (permitirá aos estudantes uma escolha mais ampla já que os currículos não ficaram restritos à competência dos professores disponíveis.)(...) Professores terão mais tempo para conversar com seus estudantes (p.95). A competição entre os alunos terminará e o estudante excelente não precisará fingir que não sabe de vez em quando para poder continuar a ser aceito em seu grupo. Professores do futuro funcionarão mais como conselheiros, provavelmente ficando em contato com seus estudantes por mais de um ano e conhecendo-os melhor. (1989, pp.94-95).

Este é o ponto de partida para nossa proposta. Aguardamos o seu comentário.


Roberto Alves Banaco



1 Este texto é uma versão modificada do artigo “Emoções e ação pedagógica na infância”, já publicado na Revista “Temas em Psicologia” da antiga Sociedade de Psicologia de Ribeirão Preto, atual Sociedade Brasileira de Psicologia.

Última atualização: terça-feira, 16 jul. 2013, 14:52